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terça-feira, 25 de outubro de 2016

[9832] - CABO VERDE - CRISE SOCIAL...

Nadir Abraão de Sousa
Cabo Verde está a viver “profunda crise social”
24 Outubro 2016 - A Semana

O sociólogo Nardi Sousa considera que o país está a viver uma "profunda crise social" e que todos os actores estão a falhar para combater fenómenos como a criminalidade, sobretudo nos principais centros urbanos de Cabo Verde.
Segundo o relatório anual do Ministério Público sobre o estado da justiça, entre 01 de Agosto de 2015 e 31 de Julho de 2016 foram registados 120 homicídios no país, com a criminalidade a aumentar em 6,7%.

O relatório, que servirá de mote para o debate parlamentar sobre a situação da justiça em Cabo Verde, na segunda-feira, também registou 504 crimes sexuais e mais de 13 mil crimes contra o património, sobretudo na cidade da Praia, onde nas últimas semanas a comunicação social tem dado conta de várias mortes violentas.

Em declarações à agência Lusa, o sociólogo e académico disse que os delinquentes e criminosos são “produtos” da sociedade e que a mesma energia que têm para criar coisas negativas pode ser utilizada para criar coisas positivas, transformando as “mentes potencialmente criminosas” em “mentes saudáveis e pacíficas”.

Entretanto, considerou que não só os jovens que cometem delitos e disse que os políticos e gestores públicos devem dar o exemplo e o Governo investir em políticas sociais nos bairros.

“Imagina que sou um gestor público e desvio milhares de contos que podia ser usado para reforçar o trabalho social nos bairros, apoiar associações que já deram provas de fazer coisas positivas nos seus próprios bairros. Se eu sou um corrupto e desvio esta verba, por exemplo, dos bairros, eu não estou a praticar indiretamente violência”, questionou.

Entendendo que é preciso criar alternativas nos bairros, Nardi Sousa salientou que os jovens estão a viver um “mal-estar social”, em que têm acesso a armas, drogas e têm um “ethos guerreiro e machismo exacerbado” que os leva a entrar em grupos para praticar violência.

“É preciso ver que tipo de políticas públicas têm sido tomadas para enfrentar esta questão”, prosseguiu, para quem a criminalidade não pode ser justificada somente com a pobreza, mas sim com a “crise de valores” no arquipélago cabo-verdiano.

“Os jovens só procuram tirar o prazer e não devolvem à sociedade nada daquilo que recebem. Temos um modelo de sociedade de vida boa e não uma sociedade boa e temos falta de investimentos em zonas urbanas densamente povoadas e com necessidades”, continuou.

Segundo Nardi Sousa, 41 anos e natural do Tarrafal de Santiago, já não há exemplos “de cima para baixo”, muitos pais já não têm controlo sobre os seus filhos e a comunidade também não é educativa, capaz de criar programas e valores para transformar os jovens.

“O Estado tem de acabar com a injustiça social e criar políticas públicas para evitar problemas de delinquência, mantendo os jovens a estudar, apoiar as associações e instituições que têm projectos saudáveis nos bairros, envolver universidades, para resolver esses problemas”, apontou, apelando também a intervenção de outras instituições como escolas, igrejas e as empresas.

“Não vamos deixar que a polícia eduque o filho de cada um. É preciso rever o papel de todos os actores sociais, canalizar financiamento para zonas com problemas sociais”, disse, afirmando também que é preciso “desarmar os jovens” e instruir a comunidade a colaborar com a polícia.

Quanto às medidas anunciadas há duas semanas pelo Governo cabo-verdiano para combater a criminalidade e dar mais segurança às pessoas, o académico considerou que o executivo tem de mostrar aparato policial, sim, mas também tem de trabalhar na prevenção.

“Cabo Verde é um país muito frágil a nível de segurança, pelo que é preciso que não se adormeça”, avisou Nardi Sousa, advertindo para a possibilidades de as pessoas começarem a fazer justiça pelas próprias mãos.

Fonte: Lusa

1 comentário:

  1. Este sociólogo analisa bem o estado da nação e faz um diagnóstico pouco favorável mas que não nos espanta porque converge com o que tem sido o nosso discurso. Efectivamente, a nação cabo-verdiana está de muito débil saúde e não há razão para prognósticos favoráveis.
    Oxalá pudéssemos vislumbrar um lampejo de esperança para adoçar a pílula, mas as evidências são tantas e variadas que é de todo impossível mascarar a verdade com cortinas de fumo. Infelizmente, é o que fizeram e continuam a fazer muitos lunáticos na nossa terra, governantes ou cidadãos comuns. Não sei o que essa gente tem na cabeça para se iludir a si própria. Nunca em tempo algum acreditei na possibilidade de as nossas ilhas se governarem sozinhas, sustentando-se minimamente.
    O sociólogo faz bem o diagnóstico mas as soluções que aponta nada têm de concreto e substancial. São simples chavões: “criar políticas públicas para evitar problemas de delinquência, mantendo os jovens a estudar, apoiar as associações e instituições que têm projectos saudáveis nos bairros, envolver universidades, para resolver esses problemas”.
    Ora, quando falta o básico para sustentar um país, quando a sociedade se mostra um corpo morto, quando os sinais mais preocupantes vêm da juventude que se vê sem futuro, não sei como dar a volta por cima.

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